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Celebre o que o idioma de Shakespeare se tornou

Bonnie Wong

21 de abril de 2023

Some are born great […] Some achieve greatness […] And some have greatness thrust upon them

Shakespeare, Twelfth Night, Act 3, Scene 4, lines 1584-1588

Shakespeare é celebrado como um dos escritores mais influentes e importantes da língua inglesa, o garoto-propaganda do idioma atualmente mais difundido no mundo. Logo, quando as Nações Unidas tiveram que decidir a data em que deveríamos celebrar o Dia da Língua Inglesa, escolheram 23 de abril, aniversário de Shakespeare.
O Dia da Língua Inglesa é parte de uma iniciativa lançada pelo Departamento de Comunicações Globais da ONU. Estabelecidos em 2010, os Dias das Línguas servem para enaltecer as conquistas dos idiomas e reconhecer as funções que desempenham em facilitar a comunicação. A riqueza histórica e cultural de qualquer idioma não pode ser negada; mas no século passado, o sucesso do inglês foi singular e seu lugar no cenário mundial não se compara ao de seus equivalentes.

A história de um idioma: Dois lados da mesma moeda

To me, fair friend, you never can be old, For as you were when first your eye I ey’d, Such seems your beauty still.

Shakespeare, Sonnet 104, lines 1-3

A língua inglesa tem sido uma dádiva para todos nós, servindo como moeda para o alcance de oportunidades. Contudo, existem os dois lados da moeda: um brilhante e outro um pouco mais manchado. É impossível considerar o sucesso abrangente do inglês sem mencionar os aspectos mais controversos de sua ascensão ao poder. Sabemos que, ao longo da história, os idiomas dos que estavam no poder levaram outros idiomas e suas variantes ao deslocamento, ao perigo ou mesmo à extinção. Para aqueles que desejam se aprofundar nas complexidades e na evolução do inglês, talvez seja interessante ler o livro English as a Global Language (inglês como idioma global). Na obra, o linguista britânico David Crystal apresenta uma visão abrangente sobre a política de poder que deu origem ao status do inglês como o poderoso idioma de hoje.
O número absoluto de falantes, alunos e futuros aprendizes que usam o inglês como ferramenta de crescimento profissional e pessoal é impressionante. Estima-se que 1,5 bilhão de pessoas não sejam falantes nativos ou aprendizes de inglês. Por outro lado, nem todos têm recursos para aprender inglês, mas isso está mudando rapidamente. Tem havido grandes esforços para proporcionar acesso à aprendizagem da língua inglesa a todos; os avanços em tecnologia e metodologias de e-learning sem dúvida desempenham um papel significativo na realização deste objetivo.

A língua inglesa tem sido um veículo crucial para a disseminação inclusiva do conhecimento, troca de informações, compartilhamento de ideias e meios de colaboração em todas as disciplinas e domínios. De acadêmicos a artistas e ativistas, muitas vozes que de outra forma não seriam ouvidas ressoam além das fronteiras graças ao meio quase globalmente compreendido que é o inglês. O sucesso cada vez maior do inglês está, paradoxalmente, aumentando a conscientização sobre a fragilidade dos idiomas ameaçados, particularmente através da internacionalização da pesquisa relacionada à preservação do idioma. Além dos esforços da ONU e da UNESCO, iniciativas como o Projeto Mundial de Literatura Oral e o Projeto de Idiomas em Perigo envolvem instituições de todo o mundo para salvar nossos idiomas - e usam o inglês como veículo de comunicação.

Um idioma vivo

The language I have learn'd these forty years, My native English, now I must forego

Shakespeare, Richard II, Act 1, Scene 3, lines 456-457

Falando em preservação, os puristas do idioma há muito lamentam a chamada deterioração do inglês devido à influência estrangeira e ao uso comum de palavras informais e coloquialismos; ironicamente, o inglês é uma das línguas que mais se apropriou de outras. A porcentagem real de palavras emprestadas varia dependendo da fonte, com a porcentagem mais alta relatada em 80%. Os puristas defendem falar como os personagens shakespeareanos? Vou assumir corajosamente que, não, a maioria, se não todos, os falantes de inglês -i nativos, não nativos, pedantes ou cowboys - achariam absurdo escrever: “Could thou please explain wherefore thou were absent from yesterday’s department meeting?”

Da mesma forma, é fundamentalmente irracional insistir que o "Queen’s English" (ou deveria ser agora o "King’s"?) é o único inglês real ou correto, como se a língua que ela falava existisse em um continuum estático ou mesmo estagnado. Em um episódio de sua série de vídeos de comentário social "Soapbox", a personalidade da televisão britânica David Mitchell critica os pedantes linguísticos, declarando que até a própria Rainha gostaria que os falantes usassem "seu inglês" como achassem conveniente. Concordo com Mitchell que as pessoas deveriam ser capazes de usar variações ortográficas e sinônimos locais sem serem “stigmatised” (ou, como nossos amigos do outro lado do oceano escreveriam, "stigmatized").

Por outro lado (e aqui farei outra suposição e direi que Mitchell concordaria), os estudantes de idiomas devem estudar gramática, pois ela fornece uma estrutura para comunicação coerente em um determinado idioma; mas eles também devem ser conscientizados da flexibilidade do idioma e das convenções de uso comum, embora geralmente consideradas menos formais. Por exemplo, tradicionalmente é considerado incorreto dizer "if I was" ao invés de "if I were" para expressar o condicional ou hipotético, como em "If I were a bear", mas muitas pessoas dizem "if I was" sem serem incompreendidas.

Pluralismo Linguístico como Pluralismo Cultural

What's in a name? that which we call a rose By any other name would smell as sweet

Romeo and Juliet, Act II, Scene II, lines 890-891

O entendimento aceito e compartilhado entre os usuários do idioma sobre o significado por trás de um coloquialismo frequentemente torna a expressão legítima, muitas vezes independentemente da combinação de palavras fazer sentido real pelo valor nominal. No mesmo vídeo, Mitchell lança uma crítica contra o uso do ilógico "could care less" quando as pessoas querem dizer "couldn't care less". É verdade que "could care less" realmente não faz sentido - mas também não faz sentido "raining cats and dogs" e "cold turkey" e, ainda assim, muitos usuários da língua inglesa entendem o que essas expressões significam. Então, por que não dizer “could care less” para se referir a “couldn’t care less”? A lacuna conceitual é insignificante em comparação com “making the leap from cats and dogs to rain” ou, ainda mais estranho, “how a large chilly game bird can help you quit that smoking habit”. As mudanças darwinianas da linguagem são incrementais, graduais e favorecem o que pode se adaptar às necessidades de seus usuários. Por exemplo, "Oriental" tornou-se antiquado e pejorativo por volta dos anos 60 e 70; "wicked" veio a significar também "excellent"nos anos 20; e "woke", que apareceu pela primeira vez nos anos 40, sempre foi politicamente carregado, mas agora é usado para insultar ou empoderar, dependendo do interlocutor. Na capital da Europa, uma forma de "Euro" inglês foi desenvolvida por aqueles que trabalham para e com as instituições europeias, onde as pessoas vão em "missions" para realizar "trilogues" com "perm reps". Falantes não nativos criaram seus próprios coloquialismos em inglês, compreendidos e utilizados diariamente por um grupo internacional de usuários. Na verdade, o inglês é um meio de comunicação tão importante, que muitos polos internacionais, como Bruxelas e Helsinque, estão discutindo tornar o inglês um idioma oficial.2

Inglês em constante evolução

[W]e know what we are, but know not what we may be.

Shakespeare, Hamlet, Act IV, Scene V, line 2905

De certa forma, a língua inglesa é "celebrada" todos os dias pela própria virtude de sua onipresença. Os idiomas são entidades vivas que têm o potencial de se ramificar organicamente em variantes, cada uma com sua própria gramática, léxico e pronúncia únicos. Já existe uma extensa lista de idiomas com base no inglês reconhecidos como idiomas nativos. E atualmente, falantes e estudiosos estão discutindo e defendendo o Inglês Vernáculo Afro-Americano e o Inglês Vernáculo Hispânico como línguas nativas por direito próprio. Dada a complexidade e a história rica e multifacetada do inglês, não admira que ele tenha um dia em que possamos celebrar tudo o que ele foi, é e será. Infelizmente, não posso me aprofundar em uma análise mais abrangente do idioma, pois tenho um limite de palavras a cumprir.

Obras citadas e consultadas

Chua, A. (2022). ‘How the English Language Conquered the World’, The New York Times, 18 Jan. Disponível em https://www.nytimes.com/2022/01/18/books/review/the-rise-of-english-rosemary-salomone.html (Acessado em 10 de março de 2023).

Dictionary.com (2018). ‘Which Words Did English Take From Other Languages?’, Dictionary.com, 18 Oct. Disponível em https://www.dictionary.com/e/borrowed-words (Acessado em 18 de março de 2023).

Economist (2022). ‘How Brussels sprouted its own unique dialect’, The Economist, 10 Nov. Disponível em https://www.economist.com/europe/2022/11/10/how-brussels-sprouted-its-own-unique-dialect (Acessado em 20 de março de 2023).

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Fogarty, M. (2020). ‘Could Care Less Versus Couldn’t Care Less’, Grammar Girl: Quick and Dirty Tips, 16 Jan. Disponível em https://www.quickanddirtytips.com/articles/could-care-less-versus-couldnt-care-less/ (Acessado em 15 de março de 2023).

Harper, D. (2017), ‘wicked (adj.)’, Online Etymology Dictionary, 3 June. Disponível em https://www.etymonline.com/word/wicked (Acessado em 21 de março de 2023).

Knagg, J. cited in Beare, K. (2022) ‘How many people learn English?’, ThoughtCo., 18 Nov. Disponível em https://www.thoughtco.com/how-many-people-learn-english-globally-1210367 (Acessado em 20 de março de 2023).

Mitchell, D. (2010) ‘Dear America…’. YouTube, uploaded by David Mitchell’s SoapBox, 20 May. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=om7O0MFkmpw (Acessado em 10 de março de 2023).

Mirzaei, A. (2019), ‘Where “woke” came from and why marketers should think twice before jumping on the social activism bandwagon’, The Conversation, 8 Sept. Disponível em https://theconversation.com/where-woke-came-from-and-why-marketers-should-think-twice-before-jumping-on-the-social-activism-bandwagon-122713 (Acessado em 21 de março de 2023).

Rose, S. (2020), ‘How the word “woke” was weaponised by the right’, The Guardian, 21 Jan. Disponível em https://www.theguardian.com/society/shortcuts/2020/jan/21/how-the-word-woke-was-weaponised-by-the-right (Acessado em 21 de março de 2023).

Shakespeare, William. Hamlet. Open Source Shakespeare (George Mason University), 2023. Disponível em https://www.opensourceshakespeare.org/views/plays/plays_alpha.php (Acessado em 22 de março de 2023).

Shakespeare, William. Richard II. Open Source Shakespeare (George Mason University), 2023. Disponível em https://www.opensourceshakespeare.org/views/plays/plays_alpha.php (Acessado em 13 de março de 2023).

Shakespeare, William. Romeo and Juliet. Open Source Shakespeare (George Mason University), 2023. Disponível em https://www.opensourceshakespeare.org/views/plays/plays_alpha.php (Acessado em 16 de março de 2023).

Shakespeare, William. “Sonnet 104”. Open Source Shakespeare (George Mason University), 2023. Disponível em https://www.opensourceshakespeare.org/views/sonnets/sonnets.php (Acessado em 9 de março de 2023).

Shakespeare, William. Twelfth Night. Open Source Shakespeare (George Mason University), 2023. Disponível em https://www.opensourceshakespeare.org/views/plays/plays_alpha.php (Acessado em 22 de março de 2023).

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